Notícia
Cientistas traçam a relação entre clima e a bactéria Shigella, uma das principais causas de doenças diarreicas no mundo
Centros de pesquisa de 28 países descobriram que a bactéria que atinge 267 milhões de pessoas por ano, boa parte delas crianças, é mais suscetível aos fatores climáticos do que se sabia
Stephanie Rossow, Antibiotic Resistance Coordination and Strategy Unit/CDC
Fonte
Agência UFC
Data
domingo, 9 abril 2023 16:15
Áreas
Bacteriologia. Biologia. Biomedicina. Estudo Clínico. Imunologia. Patologia. Saúde Pública. Vacinas.
Anualmente, 267 milhões de pessoas em todo o mundo são contaminados pela Shigella, uma bactéria que se propaga por água contaminada ou pelo contato com fezes de pessoas infectadas. Os acometidos, na sua maioria, são crianças de áreas rurais ou de periferias de países pobres ou em desenvolvimento. Muitos infectados sentirão dores abdominais terríveis, fraqueza e disenteria (fezes com sangue). Cerca de 212 mil morrerão de diarreia.
Segundo a OMS, as doenças diarreicas são hoje a oitava principal causa de morte no mundo, e a Shigella é um dos seus principais agentes causadores. Até o momento, há várias vacinas em desenvolvimento, mas nenhuma aprovada para ser aplicada em humanos.
Recentemente, um consórcio internacional de cientistas de 28 países – incluindo pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) – publicou, na revista científica Lancet Global Health, o maior estudo multicêntrico já realizado sobre a bactéria. O grupo reuniu pesquisas realizadas em 20 países da África, da Ásia e das américas do Sul e Central em um enorme banco de dados com 66 mil resultados de amostras de casos para mapear a doença em âmbito sub-regional. Em seguida, os pesquisadores compararam as informações georreferenciadas de cada um dos casos estudados com dados climatológicos obtidos com a NASA.
O resultado trouxe descobertas importantes, que vão ajudar os pesquisadores a estruturar estudos clínicos de fase III em humanos de uma vacina já em desenvolvimento e definir populações prioritárias. A fase III é a última etapa antes da homologação de um imunizante, com sua aplicação em um grupo de pessoas em larga escala.
O papel do clima
O estudo mostrou que a sobrevivência e dispersão da Shigella são muito mais suscetíveis aos fatores ligados ao clima do que se imaginava até então. Os quatro principais indicadores apontados pela pesquisa são: temperatura, velocidade dos ventos, umidade relativa do ar e umidade do solo. Os dados apontaram que a bactéria vive melhor em temperaturas altas, mas não altas demais. Com 33°C, por exemplo, a probabilidade de um caso de diarreia não complicada ser provocada pela bactéria chega a 43%. A partir daí, os casos diminuem.
A umidade relativa do ar e a umidade do solo também são fatores que aumentam a incidência da Shigella: quanto maiores forem seus índices, maiores os riscos. Já a velocidade do vento atua no sentido contrário: ventos com velocidade acima de 4 metros por segundo (o que equivale a 14,4 km/h) reduzem fortemente os riscos.
Alguns achados causaram surpresa mesmo em pesquisadores experientes. “O estudo demonstrou que morar em uma casa na qual seus moradores praticam defecação a céu aberto conferiu chances menores de infecção por Shigella em quase um quinto (18%)”, relatou o Dr. Pedro Magalhães, professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC e estudioso das doenças diarreicas no semiárido nordestino.
“A descoberta sugere que a céu aberto, com mais exposição a luz solar, a bactéria tem menor sobrevivência e reduz sua disseminação. Nesse sentido, não ter banheiro é preferível a um banheiro inadequado”, completou. Antes que se tire conclusões precipitadas, o pesquisador alertou, no entanto, que a defecação a céu aberto não deve ser vista como uma opção sanitária uma vez que há outros patógenos diarreicos muito mais resistentes à ação da luz solar.
A pesquisa foi elaborada com o financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates, que também está financiando o desenvolvimento de uma vacina. Com todos esses dados reunidos, o consórcio internacional de cientistas espera montar o melhor desenho para a realização da fase III de teste da vacina contra a bactéria. Isso significa definir quais os melhores locais, e dentro deles quais os melhores meses para a aplicação dos testes com um grande número de pessoas. Os dados ajudarão os pontos críticos para fornecimento da vacina de modo a garantir o maior impacto possível com a redução de casos de doenças diarreicas.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Agência UFC.
Fonte: Erick Guimarães, Agência UFC e professor Dr. Aldo Ângelo Lima, coordenador do Núcleo de Biomedicina da UFC. Imagem: ilustração médica de bactérias Shigella sp resistentes a medicamentos, apresentada na publicação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC/EUA) intitulada ‘Antibiotic Resistance Threats in the United States, 2019’. Fonte: Stephanie Rossow, Antibiotic Resistance Coordination and Strategy Unit/CDC.
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