Notícia

COVID-19 deve ser tratada como uma doença trombótica, afirma médica brasileira

A pneumologista Dra. Elnara Negri, que atua no Hospital das Clínicas da USP e no Sírio-Libanês, defende o uso do anticoagulante heparina para tratar as complicações causadas pelo novo coronavírus

Yale Rosen, via Wikimedia Commons

Fonte

Agência FAPESP

Data

sexta-feira, 15 maio 2020 11:05

Áreas

Doenças Infecciosas. Patologia. Saúde Pública.

A hipótese de que distúrbios de coagulação sanguínea estariam na base dos sintomas mais graves da COVID-19 – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar – foi aventada por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em meados de abril.

Entre as primeiras pessoas a perceber o “caráter trombótico” da doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) está a médica Dra. Elnara Negri, que atua no Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP) e também no Hospital Sírio-Libanês.

“Foi por volta do dia 25 de março. Tratávamos uma paciente cuja função respiratória piorava rapidamente e, quando ela foi entubada, percebi que seu pulmão era fácil de ventilar. Não estava enrijecido, como seria esperado em alguém com síndrome do desconforto respiratório agudo. Logo depois notei que essa pessoa apresentava isquemia em um dos dedos do pé”, conta Negri à Agência FAPESP.

O sintoma, que tem sido chamado de COVID toes (dedos do pé de COVID), é causado pela obstrução de pequenos vasos que irrigam os dedos dos pés. Negri já havia observado fenômeno semelhante, muitos anos atrás, em pacientes submetidos a aparelhos de circulação extracorpórea durante cirurgia cardíaca.

“O equipamento que se usava antigamente bombeava oxigênio no sangue e induzia a formação de coágulos no interior dos vasos. Eu já tinha visto aquele quadro e sabia como tratar”, afirma a especialista.

A médica prescreveu heparina, um dos medicamentos anticoagulantes mais usados no mundo, e em menos de 18 horas o nível de oxigenação da paciente melhorou. O dedinho do pé, antes vermelho, ficou cor-de-rosa. O efeito se repetiu em outros casos atendidos no Sírio-Libanês. “Após esse dia, tratamos cerca de 80 pacientes com COVID-19 e, até agora, ninguém morreu. Atualmente, quatro estão na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e os demais ou estão na enfermaria ou já foram para casa”, diz.

Enquanto a maioria dos estudos indica que casos graves de COVID-19 necessitam, em média, de 28 dias de ventilação mecânica para recuperação, os pacientes tratados com heparina geralmente melhoram entre o 10o e o 14o dia de tratamento intensivo.

A experiência clínica com as primeiras 27 pessoas submetidas ao protocolo desenvolvido no Sírio-Libanês foi descrita em artigo disponível na plataforma medRxiv ainda em versão preprint (sem revisão por pares).

Evidências patológicas

Logo após a primeira experiência bem-sucedida com heparina, Negri compartilhou o achado com seus colegas do Departamento de Patologia da FM-USP Dra. Marisa Dolhnikoff e Dr. Paulo Saldiva, que estão coordenando as autópsias de pessoas que morreram em decorrência da COVID-19 no Hospital das Clínicas.

Por meio de procedimentos minimamente invasivos, desenvolvidos durante um projeto apoiado pela FAPESP, os patologistas haviam observado a existência de focos hemorrágicos na rede de pequenos vasos do pulmão, associados à presença de microtrombos – pequenos coágulos formados pela agregação de plaquetas. Juntos, os pesquisadores da FMUSP redigiram o primeiro artigo da literatura científica que descreveu “evidências patológicas de fenômenos trombóticos pulmonares em COVID-19 grave”. O trabalho, revisado por pares e aceito para publicação na revista científica Journal of Thrombosis and Haemostasis, tem potencial para revolucionar o tratamento da doença.

Evidência definitiva

Para comprovar a eficácia da heparina no tratamento da COVID-19 ainda é preciso fazer um ensaio clínico randomizado, ou seja, separar dois grupos de pacientes com características semelhantes aleatoriamente e tratar apenas um deles com o fármaco, para em seguida comparar os resultados com os observados no grupo não tratado.

Os pesquisadores da FMUSP planejam iniciar em breve um projeto com essa finalidade em parceria com grupos da Universidade de Toronto (Canadá) e da Universidade de Amsterdã (Países Baixos). Aguardam apenas aprovação do Comitê de Ética do Hospital das Clínicas e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

“A ideia é tratar com heparina aqueles pacientes que acabaram de chegar ao pronto-socorro com queda na saturação [de oxigênio] e observar se com o tratamento anticoagulante é possível evitar a ventilação mecânica”, conclui a pesquisadora.

Acesse a notícia completa na página da Agência FAPESP.

Fonte: Karina Toledo, Agência FAPESP. Imagem: fibrose alveolar – espaços revestidos por epitélio respiratório separados por bandas espessas de tecido conjuntivo fibroso levemente inflamado e músculo liso. Esses espaços são principalmente vias aéreas terminais dilatadas; alguns são alvéolos com revestimento epitelial metaplásico. Este tipo de tecido pulmonar é incapaz de desempenhar a função de difusão de gás no pulmão. Fonte: Yale Rosen, via Wikimedia Commons.

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