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Pesquisadores definem princípios taxonômicos para classificar virosfera
O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) acaba de estabelecer quatro novos princípios que trazem ordem ao mundo viral. O objetivo é criar um arcabouço taxonômico unificado, que permitirá que todos os vírus sejam classificados. A iniciativa é urgente e necessária à medida em que a metagenômica continua a descobrir milhões de novos vírus. O ICTV é presidido pelo Dr. Murilo Zerbini, professor do Departamento de Fitopatologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e um dos autores do artigo publicado recentemente na revista científica PLOS Biology.
Taxonomia: para quê?
A taxonomia é o ramo da ciência responsável por identificar, nomear e classificar os seres vivos por sua relação de parentesco na história da evolução. Assim, é possível organizar e rastrear os seres que compartilham parte de sua genética e têm a mesma árvore genealógica, a partir de um ancestral comum e universal. Desde o século XVII, grandes nomes da ciência, como Carl Linnaeus e Charles Darwin, estabeleceram, aos poucos, um sistema de classificação hierárquica que foi aperfeiçoado ao longo do tempo para agrupar os organismos em espécies, gêneros, famílias, ordens, classes, filos, reinos e domínios. Mas a ciência evolui continuamente, e a taxonomia clássica já não dava mais conta dos avanços da metagenômica.
A Dra. Poliane Alfenas, professora do Departamento de Microbiologia da UFV e coautora do artigo, ressaltou que, embora possa parecer que classificar vírus seja apenas um exercício acadêmico, a taxonomia tem grande utilidade prática. O professor Zerbini explicou que definir que determinado vírus faça parte de uma família ou gênero permite que várias propriedades desse vírus possam ser inferidas sem a necessidade de estudos de laboratório. Foi o que aconteceu com o novo coronavírus (SARS-CoV-2): o conhecimento desta família viral agilizou o entendimento do microrganismo causador da pandemia. “Por isso, entender esta diversidade e o relacionamento entre os vírus é de grande valia para as ações de prevenção e controle de novas doenças”.
Por uma taxonomia genômica
Os autores do artigo explicaram que, com os avanços no sequenciamento de DNA, é possível atualmente determinar o código genético de qualquer organismo, averiguar como estão relacionados entre si e posicioná-los com mais precisão em árvores taxonômicas cada vez mais detalhadas. Essa taxonomia genômica foi rapidamente adotada por microbiologistas, permitindo que eles classificassem microrganismos impossíveis de serem distinguidos apenas com base em características morfológicas e físico-químicas, como ocorre na taxonomia tradicional.
O sequenciamento genômico de alto rendimento coloca ainda em foco a magnitude da diversidade genética na Terra, demonstrando a existência de milhões de espécies microbianas totalmente desconhecidas antes do século XXI. “A questão de como a taxonomia pode incluir essa enorme diversidade de microrganismos que não podemos ver e, na maioria dos casos, nem cultivar em laboratório, vem sendo intensamente debatida pelos órgãos científicos responsáveis pela classificação taxonômica dos fungos, bactérias e vírus”, disse o professor Zerbini.
Quatro novos princípios para a taxonomia viral
O tema gerou muitas discussões na comunidade científica nos últimos anos. Para resolver o dilema, o ICTV organizou, em abril de 2022, na Universidade de Oxford, no Reino Unido, um workshop que reuniu um grupo de especialistas em virologia básica e aplicada, bioinformática, biologia estrutural e evolução para desenvolver um consenso sobre os rumos futuros da taxonomia de vírus. O resultado das discussões estabeleceu quatro princípios centrais para uma taxonomia universal de vírus baseada em suas sequências genômicas. Isso permitiu que milhares de novos vírus fossem posicionados nas diferentes ‘árvores da vida’ dos vírus. Um desses princípios reconhece, inclusive, que podem existir outras formas úteis de agrupar vírus que desconsideram totalmente as relações evolutivas. A nova classificação também exige um controle de qualidade rigoroso das sequências genômicas para garantir que sejam adequadas para uso taxonômico.
O professor Zerbini destacou que a taxonomia de vírus foi transformada para melhor. “Agora podemos preencher muitas das lacunas que existiam no nosso conhecimento das relações evolutivas entre eles. Trata-se de uma visão clara da surpreendente diversidade da virosfera finalmente ao nosso alcance”, destacou o pesquisador.
Os quatro princípios
- Os vírus devem ser classificados primariamente com base em suas histórias evolutivas. Isso atualmente reconhece pelo menos seis grupos de vírus, ou domínios, cada um de origem independente e história evolutiva distinta.
- Outras características que agrupam naturalmente os vírus, como gama de hospedeiros ou distribuição geográfica, podem complementar, mas não substituir o relacionamento evolutivo para a classificação taxonômica.
- Podem existir outras formas úteis de agrupar vírus que desconsideram totalmente as relações evolutivas. Uma taxonomia universal de vírus, baseada em relações evolutivas, não impede o uso de classificações alternativas que sejam úteis para fins médicos, veterinários ou agrícolas.
- Um controle de qualidade rigoroso das sequências genômicas é fundamental para garantir que sejam adequadas ao uso na classificação taxonômica.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Universidade Federal de Viçosa.
Fonte: Léa Medeiros, UFV.
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